Um pouco da realidade Evangélica Brasileira
O que faremos diante da batalha travada entre grandes denominações neopentecostais por puro poder neste país? Como podemos discernir o que é obra de Deus e o que é o estigma (cicatriz, marca, sinal) de Babilônia em nosso meio? Os homens que vemos despontar na mídia evangélica e secular hoje eu já os chamei de “homem de Deus”, mas agora como Jó “Ponho a mão na minha boca” (Jó 40.4b). O remanescente geme em meio a essa guerra insana tentando vislumbrar o que é santo e o que é profano.
Uma perigosa Comparação
Dias desses, fiz uma boa garrafa de café e dediquei uma tarde inteira para ouvir um amigo querido. Só me assento longamente com quem amo e conheço o caráter. Trata-se de um colega pastor. Trabalhamos juntos por longos anos num ministério no Baixo Amazonas. Ele em uma cidade grande e eu outra, muito linda, porém um pouco menor.
Ele me procurou para desabafar o seu coração por conta de suas atuais desventuras. Desventuras essas oriundas de choques com a atual liderança do seu ministério do qual não faço mais parte. Sua vida (dentro daquilo que ele acha que é vida) desmoronou, sem que ele tivesse praticado pecado de imoralidade ou similares. Tiraram-lhe a ordenação pastoral e lhe deram a “gloriosa chance” de gerar e multiplicar células para que pudesse voltar ao pastorado, sendo esse o famoso “processo”. O profeta Jeremias não teria chance nesses ministérios e diante dos tais “processos”. Teríamos que arrancar o texto em que Deus lhe diz: “Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações” Jr 1.5.
Meu amigo chorou e a seguir eu chorei. Enfim nós choramos e só choro com quem conheço a vida e o caráter. O choro tem a duração de uma noite, mas a alegria vem ao amanhecer. Haverá um amanhecer para o meu amigo do mesmo modo como o dia vem amanhecendo para mim. Já passei por todos os vales e desertos que meu amigo está passando.
Quando, tarde da noite daquele dia, ele se foi para a sua casa, um pensamento assaltou a minha mente: - Hidra! Talvez eu cometa uma heresia ao comentar o que se passa em meu coração, mas tenho que correr o risco. Se ficar com isso cravado em minha alma eu adoeço.
Um pouco de Lenda
A Hidra de Lerna era um animal fantástico da mitologia grega, filha dos monstros Tifão e Equidna, que habitava um pântano junto ao lago de Lerna, na Argólida, costa leste do Peloponeso. A Hidra tinha corpo de dragão e nove cabeças de serpente (algumas versões falam em sete cabeças e outras em números muito maiores) cujo hálito era venenoso e que podiam se regenerar.
A Hidra era tão venenosa que matava os homens apenas com o seu hálito; se alguém chegasse perto dela enquanto ela estava dormindo, apenas de cheirar o seu rastro a pessoa já morria em terrível tormento.
A Hidra foi derrotada por Hércules, em seu segundo trabalho. Inicialmente Hércules tentou esmagar as cabeças, mas a cada cabeça que esmagava surgiam duas no lugar. Decidiu então mudar de tática e, para que as cabeças não se regenerassem, pediu ao sobrinho Iolau para que as queimasse com um tição logo após o corte, cicatrizando desta forma a ferida.
Sobrou apenas a cabeça do meio, considerada imortal. Hércules cortou e enterrou a última cabeça com uma enorme pedra. Assim, o monstro foi morto.
Segundo a tradição, o monstro foi criado por Hera para matar Hércules. Instruído por Atena, Hércules, após matar a Hidra, aproveitou para banhar suas flechas no sangue do monstro, para torná-las venenosas. Hércules morreu, mais tarde, na Frígia, por causa do veneno da Hidra.
Após ferir mortalmente o centauro Nesso com flechas envenenadas no sangue da Hidra, este deu seu sangue a Dejanira, dizendo que era uma poção do amor, para ser usada na roupa. Dejanira acreditou, e, quando sentiu ciúmes de Íole, usou o sangue de Nesso para banhar as roupas de Hércules, que sentiu dores de queimadura insuportáveis, preferindo o suicídio na pira crematória.
A perigosa Hidra
A Hidra de Lerna, segundo a lenda acima descrita, era um ser mitológico, ou seja, criado na fértil imaginação dos antigos para servir de entretenimento ou ilustração para ensinar o povo. Segundo a tradição, o monstro foi criado por Hera para matar Hércules, ou seja, tinha sido gerada por uma “divindade”. Alguns terríveis atributos compunham a Hidra e fazia dela um inimigo mortal e praticamente indestrutível:
- Seu aspecto era terrível.
- Seu corpo era gigantesco, sendo um dragão com cabeças de serpente.
- Conforme a lenda tinha sete, nove ou mais cabeças.
- Seu hálito era mortal, bastando que fosse aspirado.
- Se estivesse dormindo, bastava pisar em seu rastro para morrer.
- Seu sangue era venenoso.
- Podia se regenerar. Se cortasse ou esmagasse uma cabeça, duas nasciam em seu lugar.
Eu e meu amigo dedicamos inocentemente anos de nossas jovens e pulsantes vidas em fundação de igrejas e formação de discípulos para aquele ministério. Enquanto éramos pequenos ou médios era um céu. Eram tempos de ouro em que era palpável a presença de Deus entre nós. Havia amor verdadeiro, companheirismo visceral, sonhos e desejos santos, jejuns e agradáveis orações em montes, fartos testemunhos de libertações, curas e transformações de vidas. Um novo cântico brotava de nossos lábios até que tudo mudou.
Oramos e jejuamos por um grande crescimento. Desejávamos ardentemente ter um ministério grande e abrangente. Certas “cabeças” começaram a adentrar entre nós e as “visões” vieram e assim surgiram frases como: “Meu nome é Crescimento e meu sobrenome é Multiplicação”, “Somos pais de Multidões”, “Crescer ou Morrer”, etc. Por meio dessas “visões” o Corpo cresceu e se agigantou e começou a estender os seus tentáculos por este país e nações. Lamentavelmente identifiquei estas aberrações com a Hidra, pois foi assim que aconteceu com a U... versal, com a I... ternacional, com a M... dial e todos os seus similares que se disseminam pelo Brasil e o mundo. Antes eu me desesperava por representar um País que se apresentava ao mundo como o povo do futebol, carnaval e mulheres seminuas. Agora aumentou o meu desespero com a multiplicação de nossas “Hidras Gospel” mundo afora.
A Hidra tinha um Corpo Descomunal
O crescimento numérico tem sido a tônica em nosso meio cristão. A própria igreja católica vendo o crescimento das igrejas evangélicas liberou, a contra gosto, os padres cantores para segurar a sua multidão. Foi assim desde a figura de Neimar de Barros que enchia os estádios nos meus tempos de jovem católico. Com seu cabelo a la Sílvio Brito ele nos entretinha com seus poemas tipo “Deus Negro” e outros, mas mesmo assim eu me converti. Queria algo mais!
A Hidra tem um corpo descomunal e assusta os pequenos ao seu redor. Esse desejo de ser grande está enraizado em nossa cultura evangélica. “Visões” disputam com “visões” prometendo, cada uma a seu modo, um crescimento milagroso e sem o conhecido árduo trabalho. Basta aprender e aplicar o (pasmem) ”Segredo” e virá o “Sucessoooooo!” Conferências sobre “Crescimento e Multiplicação” atraem mais do que conferências sobre “Santidade e Humilhação”. É lastimável a jactância de líderes outrora simples e humildes e que hoje ostentam médios ou grandes ministérios. Conheço pastores que eram puros e sinceros, mas se estragaram ao receber “ordenação Apostólica”, adquirindo uma aura de arrogância e prepotência. Surgem os Diótrefes e desaparecem os Demétrios.
A Hidra tinha uma Peçonha Mortal
O seu hálito, o seu sangue e até o seu rastro eram extremamente venenosos e mortais. Quem tivesse contato com a Hidra morreria.
Quando alguns ministérios se agigantam costumam atrair membros de pequenas comunidades. Estas, ao perder seus fiéis membros, começam a definhar e muitas delas chegam a morrer. Seus líderes perdem o ânimo e começam a perecer juntamente com suas famílias e aí começa o caos. Conheço colegas que preferiram aderir à Hidra com seus ministérios enfraquecidos e hoje fazem parte do “processo”.
O hálito (ou a voz) da Hidra nos afirma que “fora dela não há vida”. Daí surge lemas como: “Vem prá cá Brasil”, “Pare de sofrer”, “Entre e receba a sua benção”, “Isto é só o começo” (Gn 11.6), e muitos outros que você mesmo pode pesquisar. Vi o nascimento e o encorpamento de uma dessas Hidras aqui em Manaus. Quando ainda havia reuniões em seu ninho inicial, no centro da cidade, havia um famigerado culto às segundas-feiras onde dezenas de membros de pequenas igrejas amavam participar. Era considerado um “culto sucesso”! A Hidra cresceu e se agigantou. Num ímpeto ela arrastou impiedosamente, como numa enxurrada, milhares de membros desses ministérios menores.
Confesso: Até nós andamos atrás da Hidra e pagamos o devido preço. No seu rastro há mais morte do que vida. Lidei tempos atrás com uma dileta amiga e líder que é mais uma das vítimas da Hidra de muitas cabeças. De tão ferida e assustada pediu a minha ajuda, mas pouco pude fazer por ela. Estava muito desconfiada de que houvesse cura para a sua chaga. Para que pudesse tomar um pouco de alento ela afirmou que ajuntou um monturo de papéis e informativos de sua antiga Hidra. Levou ao fundo de seu quintal e ateou fogo. Diz ela que enquanto tudo aquilo queimava ela sentia uma paz brotando em seu coração. Talvez seria bom cantar: “Quero voltar ao início de tudo...”
A Hidra tinha muitas Cabeças
Ao cortar ou esmagar uma cabeça nasciam duas em seu lugar. Em sua essência elas eram idênticas e mortais como a matriz. Para quem gosta de Multiplicação ligar-se à Hidra é um excelente negócio. Se o bom Bispo Robert Mc Allister estivesse vivo iria sofrer ao ver o que gerou o seu amado ministério no Brasil. Sofreria ao ver as perigosas “cabeças” multiplicadas daquilo que inocentemente plantou em solo brasileiro. Dessas “cabeças” surgem ideias as mais assombrosas. Basta ver o uso do sal grosso, a arruda, do sabonete ungido, do trigo da fartura, da água benta nos copos, das toalhinhas que substitui o presbítero e etc.
No ano de 2011 estava na cidade de São Paulo por alguns dias. Em casa de amigos liguei a TV e deparei com um canal “gospel”. Ali assisti com entusiasmo uma entrevista do líder daquele ministério, um conhecido e midiático “apóstolo”. O entrevistador era pau-mandado e assalariado daquele líder. Era visível o nervosismo em sua voz ao entrevistar o seu “mentor e mestre”. Ele abriu a entrevista com esta “pérola”:
- “Apóstolo. Sabemos que depois do Apóstolo Paulo não surgiu outro apóstolo como o senhor e não se destacou nenhum apostolado como o seu.”
Imaginei que ele daria uma resposta bíblica e tiraria tamanho peso de suas costas. Talvez brotasse um pouco de humildade naquela vida. Ledo engano! Nunca me esqueço daquele momento quando a câmera deu um close no rosto daquele homem. Seu rosto parecia ser talhado da pedra bruta. Com os olhos vazios, frios e sem brilho ele confirmou categoricamente ser o “herdeiro do Apóstolo Paulo”, do mesmo modo em que o INRI se acha o Cristo Vivo novamente encarnado.
Vamos olhar ao nosso redor. Para cada cabeça cortada ou esmagada nascem duas...Para duas decepadas nascem mais quatro cabeças tão venenosas como as outras... Aonde iremos dar com tudo isso? Hércules descobriu um jeito de dar um fim na Hidra. Pediu ao seu sobrinho Iolau que o ajudasse nessa empreitada. Enquanto Hércules cortava a cabeça da Hidra, Iolau, com um tição de fogo cauterizava o local da ferida para que não nascessem outras duas. (Por favor, não me perguntem como Iolau cauterizava as feridas com outras perigosas cabeças em movimento e em contato com o sangue venenoso da Hidra). Mesmo depois de destruída o veneno da Hidra causou a morte de Hércules.
Tomo conta de um pequeno ministério e a pergunta capciosa que me amedronta é esta: - Será que quando meu ministério crescer e se agigantar não se tornará também uma dessas Hidras? O que deverei fazer para evitar isso? Há meios para evitar essa transformação?
Que Deus em sua Infinita Misericórdia visite nosso coração e os de nossos seguidores. Que venham tempos de avivamento e refrigério na Santa Seara do Senhor. Que o Senhor nos visite com sua Poderosa Voz nos dizendo: “Assim diz o Senhor: Ponde-vos à margem no caminho e vede, perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andai por ele e achareis descanso para a vossa alma...” Jr 6.16
Autor: Pr. Epaminondas M. Pinho